Convite aceito: processo eleitoral, sistemas de governo, e tantos outros de direito público
Por Diógenes Gori Santiago.
No início do ano de 1984 eclodiu no Brasil o movimento popular de maior envergadura do século XX, para alguns o maior de toda a história: a campanha “Diretas Já”. Cansado da ditadura militar, o povo sai às ruas reivindicando o direito de eleger o presidente da República. O comício pelas diretas realizado em 10 de março de 1984 na Candelária, no Rio de Janeiro, reuniu 1 milhão de pessoas aproximadamente, muitos outros foram realizados com expressiva participação popular. Tramitava no Congresso Nacional emenda constitucional, conhecida pelo nome de seu autor, deputado Dante de Oliveira, para reestabelecer eleições diretas para presidente. Apesar da histórica manifestação popular, a emenda foi rejeitada. Em 15 de janeiro de 1985 o colégio eleitoral elege Tancredo Neves presidente da República, acabando com o ciclo de presidentes militares iniciado em 1964. Em 08 de outubro de 1988, é promulgada a nova Constituição brasileira, batizada de “Constituição Cidadã” por Ulysses Guimarães. Em 15 de novembro de 1989 o povo vai às urnas votar para presidente pela primeira vez depois de 29 anos. Apesar destas conquistas institucionais, desde o retorno do regime democrático, tivemos dois presidentes eleitos cassados pelo Congresso Nacional, a ‘Constituição Cidadã’ sofreu mais de cem emendas, escândalos de corrupção grassam Brasil afora, as crises políticas se multiplicam e se agravam, o Congresso Nacional brasileiro é o mais fragmentado do mundo. Um ano antes de cada eleição, sistematicamente, o Congresso Nacional, a pretexto de fazer uma reforma política, vota alterações na legislação eleitoral, produzindo mais insegurança do que estabilidade instrucional, evidenciando que o Brasil ainda não encontrou, e me parece longe de encontrar, um modelo eleitoral que antena de forma eficaz a representatividade política.
As regras eleitorais mudam de acordo com o momento político, casuisticamente. Serve como exemplo a regra sobre coligação partidária para eleições proporcionais. Proibidas nas eleições municipais de 2020, foram ressuscitadas em recente votação na Câmara dos Deputados. O projeto aprovado pela Câmara dos Deputados foi para deliberação do Senado, que ainda não votou. Aliás, é voz corrente que o Congresso Nacional costuma usar as eleições municipais como uma espécie de, digamos, “cobaia”. Lançam as regras para eleições municipais para ver o que acontece, se for o caso, alteram-nas para as eleições gerais que elegem deputados e senadores. Como no caso das coligações.
Passados 37 anos do movimento popular por eleições diretas pupulam pelo país manifestações pelo retorno do regime militar. Embora minoritárias, crescem preocupantemente. O risco de um retrocesso institucional, ainda que improvável no momento, não é desprezível pelo que se vê diariamente no noticiário nacional.
Diante de tudo isso, a pergunta que se faz é: o que afinal fizemos da democracia que nos levou às ruas há 37 anos? A resposta, a meu ver, pode se encontrar neste pensamento de Paulo Bonavides: “Democracia com baixíssimo grau de legitimidade participativa certifica a farsa do sistema, assinalando o máximo divórcio entre o povo e as suas instituições de Governo’.( Bonavides 2003).
Questões de natureza política/eleitoral são tratadas de cima para baixo, com nenhuma ou pouquíssima participação popular. Os instrumentos de democracia participativa previstos na Constituição, plebiscitos, referendo e projeto de lei de iniciativa popular, rarissimas vezes foram utilizados.
Com efeito, se há uma profunda e inegável crise de representatividade no Brasil, muito próxima do “máximo divórcio entre o povo e suas instituições”, ou seja, entre o povo e aqueles que o povo elege pelo voto, é porque há algo de errado no processo de escolha. O que reclama profunda reforma no sistema eleitoral e político com efetiva participação popular. Promessa que nunca se concretiza.
E é exatamente por pensar assim, que aceitei com muito entusiasmo o honroso convite da Rádio Mantiqueira para ocupar esse espaço, no qual serão abordados temas como processo eleitoral, sistemas de governo, e tantos outros de direito público, visando, sobretudo, dar a nossa humilde contribuição para o aperfeiçoamento de nossas instituições que somente será possível com a efetiva participação popular.
É isso!
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